Publicado por Ramon Vago em 16/11/2023
Poucos meses após a publicação da Lei Complementar 116/03, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula 663, reconhecendo a recepção dos §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-Lei n° 406/68. Isso foi feito nos seguintes termos: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição. ” Para quem não sabe, o DL 406/68 é a norma que instituiu o ISS Fixo.
Importante salientar que a jurisprudência do STF tem se mantido firme nesse sentido, negando também que tenha ocorrido a revogação dos §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 pelo art. 10 da LC 116/03.
Em 2019, matéria relacionada foi analisada no Recurso Extraordinário (RE) 940769, com repercussão geral reconhecida, ocasião na qual foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.”
É óbvio que a questão não trata de um direito exclusivo dos advogados, como veremos adiante.
Vejamos a seguir os dispositivos citados pela Súmula 663:
Art 9º […]
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
[…]
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.
[…]
Do exame dos dispositivos anteriormente citados, podemos concluir que o ISS Fixo se aplica não apenas aos profissionais autônomos – que prestam serviços de forma pessoal – mas também às sociedades profissionais que prestem serviços relacionados nos itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa do DL 406, desde que constituídas como sociedades simples. Os serviços relacionados nos itens citados são os seguintes:
1. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultrassonografia, radiologia, tomografia e congêneres;
4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);
8. Médicos veterinários;
25. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;
52. Agentes da propriedade industrial;
88. Advogados;
89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
90. Dentistas;
91. Economistas;
92. Psicólogos;
No entanto, em respeito ao princípio da isonomia, consideramos mais adequado que a lei municipal autorize o recolhimento do ISS Fixo por sociedades profissionais relativas a qualquer profissão regulamentada, e não apenas aquelas relacionadas nos itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa do DL 406, pois hoje o número de profissões regulamentadas certamente é muito maior. Claro, desde que não sejam constituídas como sociedades empresárias.
Sem o intuito de alongar o debate nessa direção, compreendemos que o trecho final do §3º do art. 9º do DL 406 faz correspondência às sociedades simples, atualmente regidas pelo Código Civil de 2002 (arts. 997 a 1.308), pois são em sociedades dessa natureza que há pessoalidade nos serviços prestados.
Uma questão mais minuciosa a ser analisada é que as sociedades simples também podem ser constituídas sob a forma de responsabilidade limitada. Dito isso, o próprio STJ já chegou a entender que essa forma não atenderia ao disposto no art. 9º, § 3º do DL 406/68, por excluir a responsabilidade pessoal dos sócios:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. ISS. TRATAMENTO PRIVILEGIADO PREVISTO NO ART. 9º, §§ 1ºE 3º, DO DECRETO-LEI 406/68. SOCIEDADE LIMITADA. ESPÉCIE SOCIETÁRIA EM QUE A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO É LIMITADA AO CAPITAL SOCIAL. 1. A orientação da Primeira Seção/STJ pacificou-se no sentido de que o tratamento privilegiado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68 somente é aplicável às sociedades uniprofissionais que tenham por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal dos sócios e sem caráter empresarial. Por tais razões, o benefício não se estende à sociedade limitada, sobretudo porque nessa espécie societária a responsabilidade do sócio é limitada ao capital social. Nesse sentido: AgRg nos EREsp 941.870/RS, 1ª Seção, Rel. Min.Hamilton Carvalhido, DJe de 25.11.2009.2. “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado” (Súmula 168/STJ).3. Agravo regimental não provido.
(STJ – AgRg nos EREsp: 1182817 RJ 2012/0035746-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 22/08/2012, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 29/08/2012)
Contudo, por sorte esse entendimento foi reformulado no Recurso Especial n. 1.512.652/RS, Rel. Min. Napoleão Maia. Atualmente, predomina a tese que a adoção da forma societária limitada não é elemento decisivo, sim a circunstância de os profissionais exercerem direta e pessoalmente a prestação dos serviços (em igual sentido: AgRg no AREsp 792878/SP; AgRg no AREsp 519.194/AM).
Em síntese, a responsabilidade pessoal exigida pelo DL 406 nada tem a ver com responsabilidade patrimonial, que significa responder pelas obrigações da empresa com os bens pessoais.
Embora a jurisprudência do STJ também seja no sentido de que os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 não foram revogados pela LC 116/03 (REsp n° 713.572-PB), diversos julgados da corte introduziram critérios não presentes no texto da DL 406/68, como, especificamente, o entendimento de que o ISS Fixo se aplicaria apenas às sociedades uniprofissionais.
Todavia, os julgamentos atuais nos indicam que esse posicionamento foi abandonado, o que nos parece acertado, pois é plenamente possível que duas ou mais pessoas de profissões diferentes se reúnam em forma de sociedade simples, de modo que cada uma delas exerça direta e pessoalmente a prestação de seus serviços.
É válido recordar que o Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar 123/2006, é um Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, implicando no recolhimento de diversos tributos através de um único documento de arrecadação, dentre eles o ISS:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
[..]
VIII – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.
O documento de arrecadação mencionado na Lei Complementar 123/2006 refere-se ao DAS, conforme art. 41 da Resolução CGSN 140/2018. Em linhas gerais, isso significa dizer que o ISS devido pelas pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional via de regra não poderá ser pago diretamente ao município através de Documento de Arrecadação Municipal.
Não obstante, impende salientar que a Lei Complementar 123/2006 prevê um único caso em que o ISS de pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional poderá ser recolhido diretamente ao Município e em valores fixos:
Art. 18 […]
[…]
§ 22-A. A atividade constante do inciso XIV do § 5º-B deste artigo recolherá o ISS em valor fixo, na forma da legislação municipal
A atividade constante do XIV do § 5º-B refere-se aos serviços contábeis:
§ 5º-B […]
[…]
XIV – escritórios de serviços contábeis, observado o disposto nos §§ 22-B e 22-C deste artigo.
Além desse caso, nenhum outro poderá ser admitido, por proibição expressa prevista na Lei Complementar 123:
Art. 24. As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não poderão utilizar ou destinar qualquer valor a título de incentivo fiscal.
§1º Não serão consideradas quaisquer alterações em bases de cálculo, alíquotas e percentuais ou outros fatores que alterem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional, estabelecidas pela União, Estado, Distrito Federal ou Município, exceto as previstas ou autorizadas nesta Lei Complementar. (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)
Em um caso envolvendo o simples nacional e o regime substitutivo de desoneração da folha de pagamento, a Receita Federal se manifestou pela não admissão de regime tributário misto (Solução de Consulta n° 70/2012). Embora a situação fosse outra, o raciocínio também se aplica perfeitamente ao caso em análise.
Em remate, importante destacar que o STJ já enfrentou essa questão e confirmou que o ISS FIXO não aplica às sociedades de advogados optantes pelo Simples Nacional, como defendemos neste artigo. Veja:
Como visto, não resta dúvida que DL 406/68 ainda se encontra vigente, embora não se aplique às pessoas jurídicas optantes pelo simples nacional. O que nos assusta são as leis municipais que ainda negam vigência ao mesmo, ignorando completamente a jurisprudência de nossos tribunais superiores.
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