Publicado por Ramon Vago em 08/07/2023
Em 12/05/2023, transitou em julgado no Superior Tribunal de Justiça o REsp 1916376/RS. Para nossa surpresa, o STJ resgatou um antigo entendimento sobre a dedução de materiais da base de cálculo do ISS, que havia abandonado desde 2010. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A valoração jurídica diversa, calcada nos fatos da causa, dada pelo magistrado à atividade empresarial da contribuinte não caracteriza decisão surpresa que justifique a anulação do julgado. 2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Precedentes. 3. O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a “possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil”. 4. A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013.5. Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil.6. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.7. Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS.8. Recurso especial desprovido.
(STJ – REsp: 1916376 RS 2021/0011137-9, Relator: GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 14/03/2023, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/04/2023)
O fato é que houve um enorme regresso para as construtoras e concreteiras, visto que elas não poderão mais deduzir da base de cálculo do ISS os materiais empregados nas obras de construção civil.
Para entender a confusão existente em relação a esse assunto, faz-se necessária a leitura dos trechos a seguir, extraídos da Lei Complementar 116/2003:
Art. 1°…………………..
§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
………………………………………..
§ 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;
LISTA DE SERVIÇOS
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
COMENTÁRIOS SOBRE A LEGISLAÇÃO DESTACADA:
1 – Como se pode ver, o trecho entre parênteses, em negrito, é uma das exceções mencionadas pelo art. 1°, § 2o. Porém o STJ sempre validou apenas essa parte do texto, ignorando a previsão do §2o do art. 7°, que não se confunde com a primeira. Em 2020, em razão da mal interpretada decisão do STF proferida no RE 603.497/MG, o STJ havia mudado seu entendimento em favor dos contribuintes, admitindo a aplicação literal do § 2o do art. 7°. Contudo, agora percebido o “erro” de interpretação cometido, voltou atrás com seu antigo entendimento.
2 – Entendo que mercadorias e materiais são termos muito distintos e não poderiam ser tomados como sinônimos. Veja que a interpretação que está sendo conferida à lei está desvirtuando o sentido das palavras, o que é vedado pelo art. 110 do CTN:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Entretanto, tudo indica que o STJ não voltará atrás, uma vez que o STF já se manifestou que a competência para interpretar as leis infraconstitucionais pertence ao STJ.
A conclusão que chegamos é que as construtoras devem se preparar para começar a pagar o ISS sobre o valor cheio dos serviços, sem qualquer dedução de materiais empregados na obra, exceto mercadorias eventualmente produzidas pela própria construtora fora do canteiro de obra.
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