Publicado por Ramon Vago em 02/11/2022
Antes de tudo, deve-se compreender que as operadoras de planos de saúde podem operar por meio de rede própria ou por meio de rede referenciada, também conhecida como rede credenciada. O primeiro caso, que se encaixa no subitem 4.22 da Lista de Serviços da LC 116, não causa nenhuma dificuldade no que concerne à definição da base de cálculo do ISS. O segundo, que se enquadra no subitem 4.23, é que tem dado causa a tantas discussões. Vejamos sua descrição, para melhor compreensão:
4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.
O subitem acima nos indica uma espécie de negócio de intermediação de serviços de assistência médica. Seria essa a natureza do serviço de plano de saúde, segundo entendimento manifestado pelo STJ e pelo STF.
STJ (AgInt no RESP 1337836/DF): “[…] nos serviços de plano de saúde, a base de cálculo do ISS alcança somente a remuneração correspondente à atividade de intermediação desenvolvida pela empresa que comercializa planos de assistência à saúde, excluídas as parcelas repassadas a profissionais e estabelecimentos credenciados de modo a prevenir a ocorrência de bitributação.”
STF (RE 651703/PR): “[…] A base de cálculo do ISSQN incidente tão somente sobre a comissão, vale dizer: a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para terceiros prestadores dos serviços, conforme assentado em sede jurisprudencial.”
Dessa maneira, no entendimento dos tribunais superiores, os planos de saúde tipicamente realizam operação de intermediação. Sendo assim, como qualquer atividade de intermediação, tal como aquelas desenvolvidas por agências de turismo e pelas agências de publicidade, os valores que apenas circulam na contabilidade da pessoa jurídica, mas não lhes pertencem, não constituem receita própria, mas sim de terceiros. Por isso, devem ser vistos como meros ingressos de recursos. A propósito, a Receita Federal recentemente manifestou esse entendimento por meio da Solução de Consulta COSIT n° 99004/2021.
Por consequência, mesmo que emita suas notas fiscais pelo valor total faturado aos clientes – e geralmente é isso que acontece – a operadora não poderá, de modo algum, ser tributada sobre esse montante todo, como se receita própria fosse.
Como se vê, a questão do ato cooperativo, por tantos anos discutida, pouquíssima relevância possui para o esclarecimento do tema em discussão, pois a comercialização de planos de saúde por cooperativas médicas não é considerada ato cooperativo. O ato cooperativo consiste na intermediação prestada pela cooperativa médica a seus cooperados, que são chamados de associados pela Lei 5.764/1971.
Suponha que o plano de saúde seja remunerado de forma mista, ou seja, pelos consumidores finais e pelos fornecedores dos serviços intermediados (cooperados). Havendo algum desconto no repasse efetuado aos cooperados, a título de comissão pela referida intermediação, esses valores não se consideram operação de mercado, portanto não são tributáveis. Isso não se aplica, todavia, às comissões descontadas dos prestadores de serviço que não sejam cooperados, situação na qual devem ser tributadas por serem operações de mercado.
Caso o plano de saúde realize algum reembolso de materiais ou medicamentos à rede referenciada, tais deduções não devem ser admitidas, tendo em vista que, conforme súmula 274 do STJ, “O ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.” Melhor explicando, os gastos incorridos na prestação dos serviços de saúde compõem o preço do respectivo serviço, portanto, devem ser incluídos na nota fiscal do prestador como serviço prestado, não como reembolso.
Do mesmo modo, a operadora que possui hospitais próprios não pode deduzir as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares, nem mesmo os materiais utilizados. Tudo deve ser incluído no preço do serviço prestado.
Até aqui creio não haver dificuldade de entendimento, mas a questão não é tão simples como faz parecer o STJ e o STF. Os Municípios têm encontrado enorme dificuldade para conseguir definir critérios adequados para apuração da inexistente “comissão” auferida pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Isso tem ocorrido porque a atividade por elas realizadas funciona, na verdade, como uma espécie de seguro.
Em nosso entendimento, não apenas os seguros de assistência à saúde, mas todos os planos de saúde, em regra, possuem natureza de seguro, o que deveria afastar a incidência do ISS e atrair a incidência do IOF, mas infelizmente o legislador foi incoerente quanto a isso.
Nas operações realizadas pelas agências de turismo e pelas agências de publicidade, identificamos, de imediato, em cada recebimento, a parcela destinada ao pagamento dos fornecedores dos serviços intermediados e a parcela retida a título de comissão da agência. Já no caso dos planos de saúde, funciona de modo bem diferente: você todo mês paga uma mensalidade, com o propósito de, caso algum dia necessite utilizar algum serviço de assistência à saúde, possa acionar o plano de saúde para que o mesmo cubra, total ou parcialmente, os custos dos serviços utilizados, a depender da modalidade contratada (completo ou coparticipativo).
Justamente por isso, em alguns meses o plano de saúde tem “lucro”, enquanto em outros tem “prejuízo”, por exemplo quando os clientes pagam “1” de mensalidade e gastam “2” acionando o plano. Nessas situações, as operadoras de plano de saúde geralmente entendem ter o direito de compensar a base de cálculo negativa do ISS nos períodos subsequentes, o que não possui previsão legal e não deve ser admitido, considerando que a apuração do ISS é feita mensalmente, de forma definitiva, diferentemente do Imposto de Renda. Foi justamente esse o entendimento manifestado pela Receita Federal na Solução de Consulta de COSIT N° 87/2020, quanto à impossibilidade de compensação de base de cálculo negativa de PIS/COFINS em períodos posteriores.
Sinceramente, entendemos que a matéria já era demasiadamente complexa e não estava madura o suficiente para sofrer as alterações pretendidas pela Lei Complementar 157/2016, precipitadamente reafirmadas pela Lei Complementar 175/2020, durante a pendência de julgamento da ADI 5835. Tanto é que o CGOA custou em regulamentar o sistema eletrônico de padrão unificado nacional para recolhimento do ISS, que até o presente momento ainda não foi homologado para utilização.
Existe ainda o debate se a Lei Complementar 175/2020 estaria mesmo em vigor ou não, em razão da liminar concedida na ADI 5835, em face da Lei Complementar 157/2016, no ponto em que introduziu a mudança de local de recolhimento do imposto.
Outro detalhe é que, existindo agora múltiplas bases de cálculo a serem apuradas, uma para cada Município onde o plano possua clientes e deva recolher o ISS, como serão efetuadas as exclusões dos repasses efetuados aos prestadores dos serviços de saúde? Os planos precisarão segregar os repasses de acordo com o domicílio de cada cliente atendido? Ou as exclusões serão feitas de modo proporcionalizado ao faturamento realizado em cada Município?
Prevendo-se tal situação, a Lei Complementar 111/2021 do Município de Colatina estabeleceu o seguinte:
Art. 3°. É vedada a exclusão da base de cálculo do ISSQN:
I – de medicamentos e materiais empregados na prestação dos serviços que a se referem esta Lei Complementar, por se caracterizarem despesas da atividade;
II – de valores repassados a terceiros em decorrência do atendimento de tomadores domiciliados em outros municípios, a partir da competência 01/2021;Parágrafo Único – Caso o Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN (CGOA) regulamente a situação prevista no inciso II de modo diverso, prevalecerá o disposto na regulamentação do CGOA.
Fone: (27) 99687-0473 | eMail: comercial@vagocontabilidade.com.br